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Cidadela, disponível na Biblioteca Comunitária |
Há muitos e
muitos anos, quando eu era apenas uma recente pós-adolescente, achei um livro de
Saint-Exupéry em uma feira de livros usados. Chama-se "Cidadela." Como está
escrito na apresentação do livro, "Aqui temos um livro sem princípio, meio nem
fim. Impossível medí-lo, extremamente difícil apreciá-lo, bastante ingrato ceder
à veleidade de lhe facilitar o acesso."
O livro começou a ser escrito em
1943, mas o autor desapareceu em combate, tendo seu avião sido abatido na Bacia
do Mediterrâneo, antes de terminar a sua obra. Assim, "Cidadela" tornou-se uma
obra póstuma.
É um livro sobre um rei e sua cidade, o império que ele
construiu.
É um livro sobre as cidades e impérios que construímos dentro
de nós.
Escolhi algumas frases favoritas para reflexão.
Sobre o trabalho:
"Pobre
trabalho o teu, se não for o pão dos filhos ou transformação tua em alguma coisa
superior a ti. Que vale o teu amor, se ele não for mais que procura de um corpo?
A alegria que esse amor te desse, seria uma alegria fechada em si
própria."
Sobre o sofrimento e a
alegria:
"Aquilo que te causa os sofrimentos mais graves,
traz-te também as maiores alegrias. Porque sofrimentos e alegrias são frutos dos
teus laços, e os teus laços, das estruturas que te impus. Eu cá quero salvar os
homens e obrigá-los a existir, ainda que os leve pela via que faz sofrer, como a
prisão que separa da família, ou o exílio que separa do império."
Sobre o egoísmo:
"Onde se diz
que há egoísmo, o que sempre encontramos é mutilação. E aquele que anda por aí
sozinho a dizer: "Eu, eu, eu," como que anda ausente do reino. Assim a pedra
fora do templo, ou a palavra seca fora do poema ou aquele fragmento de carne
separada do corpo."
Sobre a
colaboração:
"A pedra não tem esperança de ser outra coisa
que não pedra. Mas, ao colaborar, ela congrega-se e torna-se
templo."
Sobre o amor e o
ciúme:
"Não confundas o amor com o desejo de possuir, que
acarreta os piores sofrimentos. Porque, contráriamente à opinião comum, o amor
não faz sofrer. O instinto de propriedade, que é o contrário do amor, esse é que
faz sofrer........ o amor verdadeiro começa lá onde não espera mais nada em
troca."
Sobre
escrever:
"Quando tu escreves ao homem, carregas um navio.
Mas bem poucos navios chegam ao porto. Sossobram quase todos no mar. Poucas
frases há que mantenham a sua ressonância através da história.......... Que me
interessam as coisas que sabe aquele que tu me indicas? para isso há o
dicionário. Interessa-me mais é o que ele é. E aquele acolá escreveu o poema e
encheu-o de seu fervor, mas falhou na pesca do alto mar. Não trouxe nada das
profundidades. Significou-me a primavera, mas não a criou em mim na medida em
que poderia ter alimentado dela, o coração."
Sobre o crescimento:
"Depois
de ter fundado um rosto, é preciso que ele permaneça............. Porque a minha
verdade, para ser fértil, deve ser estável. O que é que tu amarás, que será de
fato das tuas grandes ações se mudares de amor todos os dias? Só a continuidade
permitirá a fertilidade do teu esforço. Porque a criação é rara. Se por vezes é
urgente que, para te salvar, ela te seja dada, seria mau que te atingisse todos
os dias. Para preparar um homem, preciso de várias gerações. E, a pretexto de
melhorar a árvore, não a corto todos os dias, para a substituir por uma
semmente."
Sobre a morte e a
vida:
"Embora a morte e a vida se oponham uma a outra, como
palavras que são, o certo é que só podes viver daquilo que te pode fazer morrer.
E o que recusa a morte, recusa a vida. Se não houver nada acima de ti, não tens
nada a receber. A não ser de ti próprio. Mas que hás-de tu ir buscar a um
espelho vazio?"
Sobre o
poema:
"O poema é belo por razões que não pertencem à lógica,
já que se situa num outro andar. Ele é tão mais patético quanto mais se
estabelece na extensão. O som que é possível extrair de ti e que tu podes dar é
sempre o mesmo, mas nem sempre é da mesma qualidade. E é má música aquela que te
abre caminhos mediocres no coração. E o deus que te aparece é débil. Mas há
visitas que te deixam adormecida, por tanto teres amado."
Um trecho da "Oração da
Solidão":
"A solidão, Senhor, é apenas fruto de um espírito
que está doente. Ele limita-se a habitar numa pátria, a qual é sentido das
coisas. Assim o templo, quando ele é sentido das pedras. Ele só tem asas para
este espaço. Ele não goza com os objetos, mas apenas com o rosto que se lê
através deles e que os liga uns aos outros. Fazei simplesmente com que eu
aprenda a ler. Nessa altura, Senhor, ter-me-há acabado a solidão."
É um
livro belíssimo, e seria impossível esolher, entre tanta beleza, as frases
certas para postar aqui. Escolhi aquelas que sublinhei há muitos anos, quando de
minha primeira leitura.